quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Você e os outros



Temos a mania de nos referirmos aos outros, em especial quando eles estão ausentes, utilizando muitas vezes características que nem sempre consideramos positivas, mesmo que não seja uma na realidade, mas quando temos a intenção, tranformamos o que dizemos em algo pejorativo. Quantas vezes a palavra em nossa boca é recheada de veneno? O que essa pessoa de quem você fala tem de bom que você gostaria de ter? Será que tem?
Quem sabe nos achamos melhores que os outros e despejamos aquilo que rejeitamos em nós ou fingimos não gostar como sendo um defeito no outro, apenas do outro. É bem provável que tenhamos o mesmo "estigma", mas esquecemos e reproduzimos de forma absorta qualquer coisa que diminua e fira, talvez para nos engradecermos. Nosso ego cresce para que tenhamos a breve sensação de que somos superiores a alguém por acharmos que não temos tal característica, ou por tê-la, mas de forma diferente ou atenuada.
A pessoa pode ser atriz, cantora, artista plástica, voluntária num hospital todas as noites, mas mesmo sabendo o nome dela, temos a tendência de usarmos palavras inadequadas para nos referirmos se há algo que nos incomoda ou algum aspecto com o qual não lidamos bem. Talvez o problema seja que "falamos de..."
" Sabe aquela gordinha, loira do olho grande?", "Aquele menino das pernas finas e da sobrancelha agarrada?" ou ainda "A menina, filha mais nova dele, a que parece um palito em pé"...
O nível das descrições inadequadas que magoam e ferem parece que aumentam quando o outro que ouve não descobre de cara de quem se está falando. As pessoas deixam de ter nomes e de serem lembradas por quem são ou pelo que fazem de bom para serem estereotipadas por simples prazer de quem utiliza os adjetivos impróprios, como se não estivessem praticando exclusão ou bullying, mas o fato é que estão fazendo isso, muitas das vezes sendo preconceituosas.
Será que você seria capaz de enxergar as qualidades que o outro possui e se referir aos outros apenas pelas coisas boas que elas possuem ou apresentem? Será? E de você, você sabe falar bem? Suas qualidades, você as conhece? Saberia se descrever de forma construtiva, bonita e elegante? Quais são os seus predicativos? Ou melhor, como você gostaria de ser lembrada ou referida na sua ausência? Compreende o que digo? Por que quando é com os outros fazemos ao contrário do que gostaríamos que fizessem conosco?
Um dia uma senhora de idade me contava uma história de superação de alguém, ela parecia querer elogiar, mas volta e meia um discurso depreciativo incutido nas entrelinhas brotava. Ela estava tentando elogiar diminuindo a outra pessoa por alguma coisa que ela achava que era inferior. "Fulana é de cor, mas é uma menina boazinha, coitada, está desempregada, mas é uma mulher bem esforçada." Ela falava e eu escutava, pela aproximação e intimidade que tínhamos eu a corrigi. Aquilo me magoava, imagine se a pessoa ouve ou sabe dessa referência feita dessa forma. Acho que isso tem haver com empatia ou a falta dela.
E se essa "Fulana" fosse você? Era assim que você gostaria de ser referida ou lembrada? Percebe? Gostaria de ser lembrada com essa conotação pejorativa? Ela não tem um nome? Essa pessoa não tem uma profissão? Uma família a que pertence? Características que vão além da aparência ou da cor da pele? Características positivas além das que você considera negativas e exalta tanto?
Quer falar se referindo?Faz de uma forma que a pessoa ao ouvir não se sinta constrangida ou ofendida. Enaltece o caráter, a bondade, as coisas boas que você percebeu e compartilhou quando estava com essa pessoa. Se não conhece, não fala nada. Vai elogiar? Só elogia. Não elogie diminuindo. Isso não é elogio, é inveja disfarçada, é intriga alimentada, é incêndio começado sem bombeiro para apagar o fogo na palha das línguas que ferem na ausência da vítima que não tem como se defender. O que você disser pode até ser verdade, que seja, mas não é um direito seu falar da vida que não te pertence e pior não dar ao outro o direito de resposta.
Precisamos nos conhecer melhor, ouvir o que dizemos, nos colocar no lugar do outro, talvez comprarmos um espelho da sinceridade para nos olharmos toda vez que quisermos falar de alguém. Talvez devêssemos nos perguntar o que o outro tem de bom? Como posso me referir de forma positiva? E eu ou o que tenho de bom está sendo visto nas minhas palavras?
Fica a reflexão.