Domingo de tarde, por volta
das 15:00 horas passava uma moça bem vestida, com um par de saltos em uma das
mãos e na outra segurava uma garrafa de um refrigerante. O Dique do Tororó, em
Salvador, aos domingos ficava sem acesso para carros e ônibus, o que me obrigou
a passar por ali andando, até o estacionamento. Eu estava vindo de uma
comemoração entre amigos, na pizzaria ali, próximo ao local em que aquela
mulher incrível caminhava. Ela caminhava lentamente sobre a grama e ao achar
uma árvore com uma bela sombra sentou-se e eu fiquei apenas observando.
De repente a bela dama
estica o vestido exibindo o par de batatas bem torneadas, dobra as pernas, abre
o refrigerante e começa a beber, um espetáculo em cena, ela merecia ser
fotografada, mas o susto que tomei é que ela não tinha copo. Aquela moça fina,
requintada pelo modo de andar e se portar bebia o refrigerante com a tampinha
da garrafa.
Fiquei me perguntando qual o
motivo que levaria tão bela criatura a sentar-se sozinha com um refrigerante de
dois litros que pela cor deveria ser de uva tomar doses seguidas do
refrigerante numa tampa de garrafa. Deveria estar esperando o namorado e deu sede, talvez, fossem comemorar o
aniversário, não sei, quem sabe ele estaria levando os copos ou então havia
marcado um piquenique com os amigos, eu pensei também que os amigos poderiam
ter se atrasado, mas de repente percebo um leve movimento e então ela abre o
refrigerante novamente e começa a tomar repetidamente.
Resolvi esperar um pouco e
ninguém aparecia, comecei a ficar preocupado, pois o refrigerante já estava
quase no meio e ela bebia e ficava paralisada olhando para o nada. Foi então
que tive uma ideia, passei na pizzaria, comprei duas taças, pedi uma pizza pequena
e fui ao seu encontro.
- Posso?
- Posso o quê?
- Sentar-me ao seu lado?
- Hoje não sou boa companhia
pra ninguém. E meu namorado pode estar chegando a qualquer momento, ele é
forte, malhado e muito, muito invocado. – Ela sorriu.
- Tudo bem, não vou demorar.
Gostaria de um pouco do seu refrigerante, você me dá, tome um copo pra você,
tome, um é seu e me dê um pouco para beber, estou com uma sede terrível.
Ela me olhou atravessado e achando
meio estranho, seus olhos cheios de lagrimas presas como quem quisesse chorar e
não se permitia, quando o choro está preso. Foi quando entendi que ela não
estava esperando ninguém, afinal de contas, já tinham se passado quarenta
minutos desde a sua chegada e ela não olhava para o relógio nem para os lados
para ver se vinha alguém. Ela olhava firmemente apenas em direção ao horizonte.
Abri a caixa da pizza
comecei a comer uma fatia como forma de provocar e falei:
- Quer um pedaço? Me ajude a
comer, não aguento comer tudo sozinho.
- O que? Oi? – Por segundos
achei que ela tivesse orbitado na Terra novamente.
- Vamos, coma! Você não quer
me ver explodir comendo tudo isso sozinho já estou meio gordinho, não acha? - consegui
extrair dela um leve sorriso. - Você reparou que a tarde hoje está mais bonita?
– insisti.
- Não, não, reparei, por
quê?
- Por que uma flor está
nascendo aqui no jardim do Dique hoje.
- Flor? Nascendo? Onde? – a
essa altura ela procurava a flor.
- É uma rosa, bem ali. Ela está
desabrochando para a vida, descobrindo que na vida há momento para tudo. Há
momento para cair no solo, ser germinada, crescer, ser regada e então
florescer. Essa rosa é como você. Não fique triste, aproveite os momentos
felizes e curta todos eles, mesmo que não durem para sempre. O tempo passa e a
vida continua seja lá o que aconteceu, pense no que você pôde aprender e –
brinquei - não seja egoísta bebendo refrigerante sozinha por aí, chame alguém
com quem possa dividir. Bom, preciso ir, mas antes deixa eu pedir um taxi pra
você e não aceito um não como resposta. Peguei ela pela mão...
- Mas…
- Pense no que lhe falei!
Seu táxi chegou. Já acertei a corrida, é por minha conta.
- Mas, eu não...
- Foi um prazer lhe conhecer
e até qualquer dia.
Anos se passaram quando vi
uma mulher vindo ao meu encontro, claro que eu não reconheci de imediato, lembrava
muito bem do seu rosto e do seu par de pernas que caminhava em minha direção,
talvez eu não a estivesse reconhecendo por causa da energia e alegria com que
ela caminhava, ao contrário do dia em que a vi pela primeira vez. Sim aquele
andar era inconfundível, era ela. Ninguém atravessaria aquele salão de festas
como ela com tanta classe.
- Você é responsável pela
minha vitória sabia? Resolvi começar do zero.
- Eu? Mas...
- Sim, graças a você esqueci
o passado, planejei meu futuro e hoje sou dona de uma fabrica de refrigerantes,
hoje não bebo mais, vendo e distribuo em toda a região aqui da Bahia. É verdade
que estou só, mas muito mais feliz, resolvi investir na minha carreira e deixar
de sofrer por amor. Fui trabalhar com algo que eu gostava muito e deu certo.
- Mas e o seu namorado, ele
apareceu naquele dia? – perguntei sondando para ver se ela me dizia o motivo do
ocorrido naquele domingo.
- Eu já estava só. Tudo
estava tão escuro, sem rumo, sabe.. e quando você me abordou eu pensei “Ah,
não, um babaca justo hoje?” e falei aquilo só para despistar você, eu não
estava feliz. Mas isso é passado, sua atitude, empatia e proatividade me
fizeram refletir. Agora é minha vez de agradecer – disse ela mandando servir
refrigerante para todos na festa e me disse logo em seguida:
- Sol renasceu, renovou a sua luz. – e beijou-me vagarosamente no
rosto, num gesto de gratidão.
Seu nome era Solange, mas
todos a chamavam de Sol porque aonde ela entrava uma luz de alegria e beleza
irradiavam o ambiente. Nos casamos seis meses depois.